Desde o início da história do artesanato ponta-grossense enquanto manifestação cultural local, o Artesanato em Palha é produzido. Através de técnicas de amarração, de tingimento e da assemblage, a palha especial de milho dá forma a diversos bonecos que referenciam figuras locais, como tropeiros, santinhos e a típica gralha azul do Paraná. Como forma de manter viva a técnica centenária, artesãos da Casa do Artesão, através do projeto Raízes Culturais preservam a prática, discutindo e produzindo os artefatos. A artesã Vanderli do Rocio Rodrigues dos Santos Bachinski é uma das mais antigas em atividade e comenta da dificuldade em conseguir a matéria prima correta. Utilizando outros materiais provenientes da natureza da região, como pinhão, sementes e galhos secos, desenvolve sua arte que pode ser localizada na loja de Souvenirs do Parque Estadual de Vila Velha, na Concha Acústica e durante feiras de artesanato.
A origem do artesanato em palha é atribuída à soma de conhecimentos dos povos indígenas e dos tropeiros, ambos povos com domínio da cestaria e da tecelagem com fibras naturais.
Registro de Salvaguarda
Artesanato em Palha
CONSELHEIRA RELATORA: PROF. DRA. MÁRCIA MARIA DROPA
No mundo atual, uma variedade muito grande de objetos pode ser definida
como artesanato. São produtos do fazer humano. Destaque no emprego de
ferramentas e não de máquinas, uma vez que o artesão usa somente as mãos.
O objeto artesanal é definido por uma dupla condição: “primeiro que seu
processo de produção é em essência manual. São as mãos que executam
basicamente todo o trabalho. Segundo, a liberdade do artesão em definir o ritmo
de produção, a matéria- prima, a forma que pretende dar ao objeto, produto de
sua criação, de seu saber e de sua cultura”. ( LIMA, Ricardo. Iphan, 2005)
A história do artesanato em palha em Ponta Grossa, é uma história de
sujeitos. Mulheres que acreditaram em uma ideia e nunca a abandonaram. É
uma história de luta, convencimento, mudanças, retornos, força, fraqueza, lucro,
prejuízo, vontade, desânimo, acreditar, mas nunca a palavra desistência, fez
parte desta história.
Por que a arte em palha pode ser caracterizada como um patrimônio
cultural imaterial em Ponta Grossa?
Temos que começar com a vida econômica da cidade. A produção de
milho sempre esteve presente na economia histórica da cidade, na alimentação
do gado e na produção da farinha de fubá, importante ingrediente na fabricação
de pães. Era muito comum a população se dirigir até a Cooperativa Mista 26 de
Outubro que pertencia a Rede Ferroviária para comprar o produto a granel ou
então até a Estação Paraná, para adquirir o produto antes do embarque para a
exportação. Utilizado o milho em grãos, a palha passa também a ter um pequeno
mercado, seja na confecção de colchões, na embalagem da pamonha e da
rapadura, na transformação de alimento para outros animais, nos cigarros de
palha e mais recentemente nos enfeites de festa junina ou festa de colonos.
Mesmo com a produção em grande escala do trigo, o fubá ainda faz parte da
mesa de muito ponta grossenses e a palha utilizada em outras situações
cotidianas, ganha uma nova importância. É a transformação da palha em arte,
em vida, em história, em enfeite, enfim, em cultura.
E como tudo começou em Ponta Grossa?
Em uma rápida contextualização histórica, podemos localizar a produção
artesanal em palha de milho na cidade de Rio Negro -PR e na Colônia Witmarsun
em Palmeira – PR. De fato, não foi aqui em Ponta Grossa que esse tipo de arte
começou. Porém, aqui se fortaleceu e ganhou novas formas, vinculadas à nossa
história, lendas e causos.
Uma senhora – Adelaide de Siqueira Kotecki ao conhecer essa produção
nos locais citados se encantou e procurou novas informações e aprendizados.
Participou do primeiro curso proporcionado pelo Estado do Paraná, por meio do
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR e Programa do Voluntariado
Paranaense PROVOPAR. Esse curso inclusive foi dado por Doralice de Rio
Negro (artesã muito conhecida na época), onde aprendeu a fazer São Francisco
de Assis.
Com Adelaide pioneira, detentora da arte do saber e fazer, trouxe para
Ponta Grossa a vontade, o incentivo e o início da produção. Incentivada pelo
presidente da Casa do Artesão Senhor Valdir Becher Rodrigues, começou a
divulgar este trabalho, conseguindo motivar as Senhoras Odete de Paula, Maria
Eugênia Zuraski e juntas começaram a se aperfeiçoar seguindo as
características apreendidas nas trocas de informações: buscar e escolher a
palha nos diferentes sítios/ chácaras nos arredores de Ponta Grossa. Sim,
escolher, pois não era qualquer peça retirada da espiga que se prestava à
manipulação. Escolhendo, limpando e manipulando com as mãos, as primeiras
peças foram surgindo, mesmo que ainda um pouco acanhadas. Isso tudo por
volta de 1998/1999.
Porém, a evolução da qualidade das peças produzidas chamou atenção
e o trabalho das pioneiras teve seu lançamento oficial na Exposição Feira
Agropecuária de Ponta Grossa – EFAPI, em 2000. Vale ressaltar que a
produção não se vinculou somente a bonecas e bonecos, mas buscaram a
diversificação agregando a história e a geografia da cidade em suas peças – o
pinheiro, as pombinhas, a casca do pinhão, a gralha azul, o próprio sabugo do
milho, entre outros. Com a divulgação dos trabalhos novas pessoas foram se
interessando e em 2002, em torno de 25 mulheres estavam engajadas no projeto
Artesanato em Palha.
Com a entrada e novos membros no grupo, começaram a criação de
novos objetos e aperfeiçoamento dos outros já elaborados, como por exemplo a
pombinha com a lenda de Ponta Grossa, porta canetas, tropeiro, Princesa dos
Campos, Senhora Sant’Ana.
Passando por dificuldades, inclusive local para produção o grande grupo
se desfez, algumas (em número de seis) insistiram na continuidade, quando
então Dona Adelaide colocou o grupo em sua própria residência.
Da casa, ganharam um espaço novo em uma das salas da Galeria do
Edifício Princesa na Praça Barão do Rio Branco. Local difícil em função do
pequeno espaço e da umidade e, apesar de em menor número e dificuldades o
grupo nunca se desfez e permaneceu neste local por 10 Anos. Continuou
produzindo e encontrando mercado. É o momento em que o Turismo começa a
ganhar novas fronteiras, com a criação do curso na UEPG e a ideia de um
Convention se fortalecendo. Feiras, salões, exposições, congressos se
transformam em um novo campo de visibilidade das artesãs.
O grupo foi realocado novamente na Concha Acústica, mas como o
espaço era muito pequeno, na ocasião foram transferidas para a Casa da Praça,
que foi por um período Lojinha de Artesanato e Centro de Informações Turísticas.
Restaurada a Concha Acústica - 2019 (Patrimônio Cultural de Ponta
Grossa, tombado por lei municipal), a sede da Casa do Artesão foi realocada no
local e as artesãs ganharam seu espaço. Artesãs nesse caso, da arte de
transformação da palha de milho. Local mais apropriado para a produção e exposição, o artesanato em palha de milho se fortaleceu. Novas peças e criação adequada aos aspectos
culturais do município. Atualmente somente 3 artesãs realizam este trabalho,
com amor, dedicação, criatividade e busca de referenciar em suas peças, a
memória e a identidade de ser ponta-grossense. Com duas delas tive o prazer
de passar um tempo conversando sobre a questão.
Odete de Paula, pioneira na arte em palha, que por seu olhar demonstra
o carinho e emoção no significado de pegar a palha bruta e transformar num São
Francisco por exemplo. Maria Eugênia Suraski, pioneira junto com Odete e Adelaide.
Wanderli do Rocio dos Santos Bachinski, que está no grupo desde 2002,
minha porta voz na construção dessa pequena história, afirma que “ o artesanato
em palha faz parte da minha vida. Desde a infância gostava de artes, gostava de
criar coisas diferentes e a palha foi minha realização. Não canso de pensar, criar
e fazer.
Houve muitas mulheres que aprenderam a arte, mas pararam.
Encontravam dificuldade em conseguir a palha e desistiram. Mas as três
persistiram com o trabalho minucioso que evoluiu com o tempo.
Acreditamos que com o Projeto Raízes, Sou PG e o reconhecimento do
trabalho como Patrimônio Cultural Imaterial de Ponta Grossa, traga de novo as
antigas artesãs e incentivem cada vez mais novas artesãs e produções.
O Espírito Santo tem suas Paneleiras de Goiabeiras.
A Bahia suas baianas do Acarajé.
Minas Gerais o modo artesanal de fazer o queijo de Minas.
E Ponta Grossa pode ter suas Mulheres na Arte da Palha.
Que bom que esse tipo de artesanato, que teve uma trajetória tão
empolgante e com mulheres com vontade de aprender e não desistir, será
registrada como um patrimônio imaterial. Assim espero.
Se pensarmos que a imaterialidade só se sustenta na materialidade, o
artesanato em palha, produzido e sustentado por quem acreditou ser possível
saber e fazer com maestria, a cultura intangível de Ponta Grossa será
homenageada e perpetuada com tão importante referencial de identidade,
memória, pertencimento.
Das mãos dos pequenos, da criatividade de mentes abertas, da singeleza
da arte produzida e da luta de manutenção, se constrói a história local. Não
somente baseada na estrutura física, mas sim no imaginário de quem faz e no
imaginário de quem adquire. Pelas mãos das 3 artesãs: Odete, Vanderli e Maria Eugênia que ainda continuam e vão continuar por muito tempo no carinho de produzir, perpetuamos
a memória de uma importante e fundamental mulher na luta pelo artesanato em
palha de qualidade em Ponta Grossa, a Sra Adelaide. Solicito assim, aos demais conselheiros o voto favorável ao registro de salvaguarda do Artesanato de Palha de Ponta Grosa.
É o Parecer
É o voto
Ponta Grossa 08 de agosto de 2022.
Prof. Dra. Márcia Maria Dropa
Conselheira do COMPAC, em nome da
Secretaria Municipal de Turismo