O ‘MONGE’ JOÃO MARIA
Tratava-se de um pobre velho, de origem estrangeira, polonesa talvez, que embora não fosse perigoso, devia possuir alguma deficiência mental. Perambulava por toda a região dos Campos Gerais, e quando por aqui andava, vivia no local conhecido até hoje como ‘Olho d´água São João Maria’, próximo ao atual Bairro de Ana Rita.
Era de boa índole, e vinha muitas vezes para o centro da cidade, pedir esmolas; trazia sempre ervas medicinais, que dava para as donas de casa, para que fizessem chá para certos males comuns.
Muitas vezes não era bem recebido, e naquela época algumas pessoas já tinham o mau hábito de caçoar de pessoas esquisitas, infelizes, e certa vez ao se aproximar do campo, onde hoje é a Praça Barão do Rio Branco, moleques que jogavam futebol, correram e atiraram pedras no pobre velho.
Este reagiu, e revidou o ataque com o seu bordão, o que afugentou de pronto a molecada. Ouvindo os gritos, algumas mães acorreram pressurosas para defenderem os seus rebentos. Gritaram com o velho, e este zangado, amaldiçoava a todas e olhando para o casario dizia em altos brados: ‘Terra de gente ruim. Um dia, quando as casas forem muito altas, o vento será tão forte que irá derrubar tudo, não deixando nada de pé.’
Ora, muita gente acredita, quando às vezes o vento, tão comum em zonas descampadas como é a nossa, sopra violento, que a maldição do ‘monge’ João Maria irá se cumprir” (p. 81)
REQUIÃO, Renato (ed.). Ponta Grossa: Edição Histórica. Ponta Grossa, PR: Requião, 1975.
“O ‘monge’ São João Maria
Num dos bairros de Ponta Grossa, hoje bem povoado, existe um arroio que começa em num olho d´água (à Rua Afonso Celso, ao lado do nº 1071), onde no início do século XX, um velho andarilho morou durante algum tempo, em seus arredores. Dizia se chamar João Maria, mas como era de pouco falar, ninguém nunca soube de onde era e porque vivia só.
O povo passou a chamá-lo de ‘monge’ por seu hábito de viver sozinho e sempre longe da população. Além disso, quando se aproximava da cidade para pedir comida, costumava em troca dar ervas e ensinar como utilizá-las como remédio. Costumava também benzer as pessoas a pedidos, e por isso, muitos começaram a venerá-lo tanto, que alguns anos depois, já se referiam a ele como ‘São’ João Maria.
Seus benzimentos e suas ervas curavam, diziam as pessoas.
Carregava sempre um rosário de grandes contas na cintura e vestia-se com roupas simples; mas sempre muito limpas. Usava barba, já grisalha e o cabelo sempre oculto por um velho chapéu de palha. De tempos em tempos se ausentava, sabe-se que suas andanças iam até a fronteira com Santa Catarina, há indícios de sua passagem em União da Vitória.
Não se sabe se era o mesmo de Ponta Grossa. Depoimentos populares sugerem que houve mais dois ‘monges’ João Maria, um deles até promovia procissões religiosas na cidade da Lapa, onde hoje há um parque em torno da conhecida gruta do monge, muito visitada por pessoas que vão até lá para fazer e pagar promessas.
Ao monge do Olho D’ Água de São João Maria são atribuídas profecias que costumava fazer muitas vezes sem que as pessoas pedissem. A maioria de suas profecias eram boas, e deixavam as pessoas felizes. Mas, às vezes, ele preconizava coisas ruins.
Num certo dia, ao aproximar-se do Largo do Rosário para, nas casas próximas, pedir comida, foi abordado por uma chusma de moleques que brincava no campinho do Largo. Começaram a chamá-lo de velho sujo e caduco, até que ele, perdendo a calma, começou a correr atrás da molecada, brandindo seu cajado aos gritos também. Alarmadas, algumas moradoras das casas próximas vieram correndo para defender seus filhos e puseram-se a agredir o velho verbalmente, inclusive ameaçando chamar a polícia. Ele parou e ainda empunhando seu cajado, gritou, olhando para o casario espalhado pelo alto da colina e para as mulheres raivosas e seus filhos mal-educados:
‘Lugar amaldiçoado, de gente má e invejosa. Chegará um dia, quando as casas forem tão altas, chegando perto das nuvens, em que haverá um vento tão forte que derrubará tudo, destruindo muita coisa e matando muita gente’. Virou-se foi embora, deixando as mulheres e os moleques sem entenderem muito bem o que o velho havia dito.
Na região dos Campos Gerais venta muito, principalmente em certos meses do ano. Às vezes, quando o vento é muito forte, muita gente lembra da profecia de João Maria.
Numa outra ocasião, estava João Maria caminhando pelo campo, em direção à Lapa, quando se aproximou de uma fazenda de propriedade de ponta-grossenses. Passava do meio-dia, entrou pelos fundos, à porta da cozinha, chegou a assustar as criadas que até então não haviam percebido sua chegada. Por onde andava, curiosamente, os cachorros nunca latiam e o tratavam como se o conhecessem. Aliás, os animais pareciam gostar dele. Diziam que até as cobras o deixavam passar, sem atacá-lo.
Pediu almoço. Como todos na fazenda já haviam comido – pois nessa ocasião a maioria dos homens estava na invernada, marcando animais -, as criadas foram falar com a dona da fazenda, que fazia a sesta.
Por conhecer a fama de João Maria como curandeiro e por sua alma benevolente, foi à cozinha e ordenou às empregadas que esquentassem a comida, fritassem lingüiças, e preparou um refresco para o andarilho.
João Maria não gostava de entrar nas casas. Sentado na soleira da porta da cozinha, recebeu a comida e o refresco, agradeceu e não quis repetir. Recebeu então da dona da casa, uma porção de charque, rapadura, farinha de mandioca e algumas peças de roupa. Abençoou todos. Deixou algumas ervas explicando antes para que serviam, e disse para a fazendeira, que na época tinha três filhos pequenos: – Você terá ao todo onze filhos, destes, duas mulheres, todos saudáveis, e serão muito felizes. Seus filhos serão homens muito importantes na vida pública da região, e você terá muito orgulho deles, tudo isso porque a mãe deles é caridosa e simples.
Virou-se e foi embora.
Já havia anoitecido quando ele chegou numa outra fazenda. Por coincidência a dona desta era da outra que o havia alimentado no almoço. Ao chegar, como era seu costume, à porta da cozinha, assustou as criadas que não haviam percebido sua chegada. Correram para chamar a patroa. Esta, geniosa e arrogante, não se intimidou, mesmo com a ausência dos homens da fazenda, que também estavam longe, arrebanhando e marcando gado. Já ouvira falar de João Maria. Mandou que ele se afastasse e fosse esperar junto à porteira, quando pediu comida.
Ouviu das criadas que as poucas sobras do jantar, foram depositadas no cocho dos cachorros. Com uma lanterna de óleo na mão, ela viu que os animais não haviam comido tudo. Sovina e prepotente, mandou que as empregadas raspassem os restos para um prato e levassem para o velho. Assustadas, elas se recusaram a fazer isso. Então a dona da fazenda, ela mesma, querendo acabar logo com aquilo, encheu o prato com os restos dos cachorros e levou para João Maria, já acocorado perto da porteira. Entregou-lhe o prato, dizendo para ele comer e sumir dali.
João Maria com toda a simplicidade recusou a comida e, olhando para a mulher, disse-lhe com tristeza: – que pena, uma mulher de coração tão duro. Tens um filho e uma filha, e todos os outros sete que terás, morrerão logo. Mesmo os dois que criares serão muito infelizes, eles e suas famílias. Que herança triste, uma mãe pode deixar para os filhos.
Virou-se e partiu, embrenhando-se na escuridão da noite. A fazendeira indignada voltou e despejou a comida novamente nos coxos dos cães, e disse com azedume para as criadas que a olhavam de olhos arregalados: – …e o velho sem vergonha ainda teve coragem de me amaldiçoar! Surpreendentemente, o destino destas duas famílias tradicionais de Ponta Grossa parece ter seguido caminho de certo modo condizente com o vaticínio do velho João Maria.
Uma das famílias teve seus descendentes em funções de destaque na vida política de Ponta Grossa e de Curitiba. Todos estudaram e se formaram, viveram digna e prosperamente. No entanto, o mesmo não aconteceu com a outra família. Somente desgraças e tristezas, fracassos e insucessos. Coincidência? Visionariedade?
O fato é que, até hoje, muitos em Ponta Grossa veneram a memória desse velho esquisito que um dia perambulou por campos e cidades. Em casas de pessoas humildes dos Campos Gerais, ainda existem altares com a figura de um velho sentado, de barbas grisalhas e chapéu de palha na cabeça, que dizem ser São João Maria. Com credulidade, pessoas da periferia canonizaram o velho andarilho. Crentes, rezam e fazem promessas no Olho D’água de São João Maria.” (p. 171-174)
CHAMA, Guísela Velêda Frey. Campos Gerais: uma outra história. Santa Maria : Pallotti, 2007.
“O OLHO D´ÁGUA QUE CONFESSAVA OS PECADOS
Sofia Tramontim/ Vila Borato
‘Descobriram um olho d’água que – diziam – fora vertido por São João de Maria. Os mais antigos diziam que São João Maria mandara plantar couve em volta do olho para que ele não secasse. E a couve plantada ao lado do olho d’água crescia bonita, com folhas enormes e muito saborosa. A couve plantada nos quintais de nossas casas não crescia e ficava amarelada.
A água fora abençoada pelo monge peregrino e quem a bebesse e se lavasse com ela curava os problemas do corpo. Como não tinha padres na região as pessoas confessavam seus pecados ao olho d’água.
Certo dia fui confessar uma briga com a minha vizinha. E o olho ‘falou’ comigo. Fazia perguntas e eu respondia. E ela contou isso e outros pecados mais’.
Mais tarde ficou sabendo que o seu marido, escondido numa macega, fazia as perguntas e ela respondia inocentemente” (p. 26)
“OLHO DE SÃO JOÃO MARIA: a triste sorte de Miquelina
Maria Teresinha Roque Mathias Paes de Almeida/ Nova Rússia
Até hoje o olho brota de um buraco na terra lá em Uvaranas e, no passado, era motivo de peregrinação das pessoas devotas. Quando passou por Ponta Grossa o eremita João Maria fez brotar aquela fonte e abençoou suas águas.
Era costume batizar as crianças recém-nascidas nas águas do olho para terem sorte e proteção divina. O local é espaço de rezas e ex-votos, por curas obtidas pra todos os males do corpo.
Vivia pelas imediações uma andarilha chamada de Miquelina. Era vista constantemente no olho d’água. Às vezes confundida com os santos que peregrinam por esse mundão de Deus.
Miquelina bebia demais. Um dia foi encontrada toda machucada: tinham enfiado uma garrafa de vidro nas partes dela.” (p. 33)
“MALDIÇÃO DE SÃO JOÃO MARIA
Sirlei de Fátima Ossoviski
Cerradinho/ Distrito Itaiacoca
João Maria, São João Maria, Profeta João Maria, Monge da Lapa… alguns dos muitos nomes como era conhecida essa figura peregrina que andejava pelas terras do Paraná, pregando e criticando, exortando todos para os castigos divinos.
Muitas são as histórias contadas em nossa região. Um dia o peregrino passou pelo Passo do Pupo e pediu água aos moradores. Por ter um aspecto pouco atraente e intimidar as pessoas com suas falas e atitudes, algumas pessoas enxotaram-no e ainda atiraram pedras no ermitão.
Então ele amaldiçoou a localidade e disse que Passo do Pupo nunca teria água em abundância. E realmente não há água na localidade. É preciso traze-la de longe” (p. 64)
MOURÃO, Alfredo (org.). Causos e lendas de Ponta Grossa: assombrações, bai-ta-tás, panelas de ouro: relatos do imaginário de nossa gente. Ponta Grossa, PR: Prefeitura Municipal, 2012.
“LENDA DO MONGE JOÃO MARIA DE AGOSTINI
Segundo pesquisas, temos referência de um monge italiano, que passou pelos Campos Gerais, com o nome Giovanni Maria d Agostini, nascido em 1801, de família nobre da província de Nevara, no Piemonte, Itália. Este estudou teologia e teria recebido uma mensagem da Virgem Maria para ser um monge eremita e que deveria vir para a América. Muito se falou e se escreveu sobre o paradeiro do monge, após ter chegado ao Brasil, por volta de 1848. Diz-se ter falecido em 1870, na gruta do morro do Ipanema, em Sorocaba. Contudo, seu corpo jamais foi encontrado. Por onde passou ergueu um cruzeiro que logo virava centro de devoção, realizou curas variadas, deu bençãos, andou por vários milhares de quilômetros. Alimentava-se de raízes, frutos e o que mais lhe ofertassem (menos carne). Há registros de sua presença nas Vilas da Lapa, Castro e Mafra, entre o norte de Santa Catarina e sul do Paraná, nos anos de 1850 a 1860. Após sua passagem pelo Sul do Brasil, deixou saudosa memória e várias testemunhas atestam o poder de suas curas, através das águas santas. Era conhecido por João Maria d Agostini, e por sua longa barba nevada, vestindo com uma sotaina de tecido surrado e os pés nus sob uns sapatões rústicos.” (p. 69)
WALDMANN, Isolde Maria. Lendas de Itaiacoca e outras histórias. Ponta Grossa : Gráfica Planeta, 2014.

Texto: Acervo Casa da Memória