Devoção em torno do túmulo da Corina Portugal

REGISTRO DE SALVAGUARDA
DEVOÇÃO EM TORNO DO TÚMULO DA CORINA PORTUGAL

Conselheira Relatora: Jeanine Mafra Migliorini

Patrimônio Imaterial A Constituição Federal de 1988 define patrimônio material e imaterial em seu “Artigo 216: constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Em 2003 a Unesco, no artigo 2˚ da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial descreve como patrimônio cultural imaterial: “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.” (p.04) Em 2000 o Decreto nº 3.551 institui o registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Em 2006 a Resolução nº1, do IPHAN, define: “por bem cultural de natureza imaterial as criações culturais de caráter dinâmico e processual, fundadas na tradição e manifestadas por indivíduos ou grupos de indivíduos como expressão de sua identidade cultural e social;” Histórico de Corina Portugal Conhecemos a história de Corina através da história oral, da tradição popular, dos muitos devotos que diariamente frequentam seu túmulo atrás de graças ou para agradecer as já recebidas, e também através dos textos do Dr. Josué Corrêa Fernandes, que escreve, “Corina Portugal – Uma História de sangue e luz”, e o capítulo do livro de Dione Navarro “Corina Portugal – Súplicas e Respostas”, que conta a história da jovem. O texto a seguir baseia-se nos relatos encontrados nessas obras. Corina Antonieta Portugal nasceu em 17 de janeiro de 1869, no Rio de Janeiro, filha de médico, perdeu a mãe aos três anos, a avó passou a criá-la, e após a morte dessa uma tia materna cuida da educação de Corina. Aos 15 anos um novo vizinho, Alfredo Marques de Campos, farmacêutico, onze anos mais velho, chama atenção da menina, e mesmo com a resistência inicial da família os dois iniciam um relacionamento. Casam-se, com separação total de bens, exigência do pai de Corina, o que desagrada o marido. Logo começam a se desentender. Alfredo tem um irmão comerciante, que mora em Curitiba, e o convida para vir para Ponta Grossa, onde não haviam farmacêuticos formados. O casal se muda para a cidade, em uma casa alugada, nas proximidades da Igreja Matriz. Alfredo conhece o médico, Dr. João de Menezes Dória, com quem desenvolve uma parceria. O farmacêutico frequentava assiduamente os jogos de cartas, onde perdia grandes quantias em dinheiro, consumia muita bebida alcóolica e era assíduo nos prostíbulos de Ponta Grossa e Castro. Voltava para casa embriagado e culpava Corina por não terem dinheiro suficiente, uma vez que ela possuía imóveis no Rio de Janeiro. As discussões logo se transformaram em agressões físicas contra a esposa. Perde o estoque da farmácia no jogo e quando retorna para casa encontra Corina deitada na cama, ele a ataca, sem motivo, e a esfaqueia 32 vezes com um punhal. Após o ataque vai até a residência do médico Dr. Dória, e pede que esse vá até a sua casa, onde algo grave aconteceu, e corre do local. O médico acompanhado de três outras pessoas vai até a casa, e encontra Corina já sem vida. Isso acontece em 26 de abril de 1889. Dr. Vicente Machado assume a defesa de Alfredo e logo espalha-se a notícia de que o crime ocorreu por Corina e o médico João Dória terem um romance, então a justificativa era a defesa da honra, o que era aceito na época. A população divide-se e o médico, apesar de se defender precisa mudar para Curitiba, de onde não retorna mais, pois passa a ser ameaçado. O fato é que havia uma disputa política entre João Dória e Vicente Machado, e o que seria um crime passional adquire outra esfera. Apesar do esclarecimento dos fatos por testemunhas o julgamento acontece e Alfredo Marques de Campos é inocentado por unanimidade, pela morte da esposa. Mais tarde muda-se para Minas Gerais e acaba por suicidarse. Posteriormente o pai de Corina desloca-se do Rio de Janeiro para Ponta Grossa, e traz consigo as cartas da filha, que novamente desmentiam a versão do marido, pois narravam toda angústia e sofrimento vividos por ela nos últimos anos. Logo iniciam as visitas ao túmulo de Corina, por pessoas com problemas diversos, mais de um século após sua morte já é conhecida como “Santinha dos Campos Gerais.” Devoção à Corina O túmulo de Corina Portugal se encontra no Cemitério Municipal São José, é uma construção simples, mas repleta de plaquinhas de agradecimento pelas graças recebidas, por flores variadas, pela capelinha sempre com velas acessas, e não são poucas. Os relatos dos devotos são muitos, alguns encontrados em livros, em reportagens de jornais e revistas, e no dia a dia, não faltam pessoas para contar os milagres que a ‘Santinha’ já realizou. Basta ficar um tempo próximo ao seu túmulo para se deparar com pessoas que param para rezar, agradecer, pedir a intercessão em seus pedidos. As plaquinhas de agradecimento se espalham por todas as laterais do túmulo, constantemente se renovam, uma vez que vândalos retiram algumas, mas sempre tem outro devoto pronto para agradecer e novamente ocupar aquele espaço precioso. Segundo Dione Navarro (2016) a placa mais antiga remonta o ano de 1945, e se estendem até datas atuais. Além das plaquinhas é comum encontrar pequenos bilhetes encaixados entre as placas, cartas nas proximidades do túmulo, ou ainda fieis que pintam o túmulo para mantê-lo, como forma de agradecimento. Essa é apenas uma das manifestações populares que demonstram a devoção à Corina. Os fatos que demonstram a relevância dessa manifestação podem ser encontrados em diferentes esferas, e representam variados grupos sociais da cidade. Vários são os meios de comunicação que apresentam e divulgam esses acontecimentos, entre eles a radionovela, transmitida pela rádio Difusora em 2012, que narrava a trajetória de Corina, baseada no livro de Josué Fernandes, já citado. Em 2010 a Lei nº 10.219 decreta a denominação da Casa de Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência de Ponta Grossa como Corina Portugal. Em 2015 o Grupo de Teatro Paré apresenta uma peça que narra essa história. Trabalhos acadêmicos adotam essa temática em diferentes vertentes, uma vez que se trata de uma manifestação cultural local. Outras manifestações populares acontecem na forma da divulgação da Oração à Corina Portugal, constantemente encontrada em seu túmulo, com a solicitação de que sejam feitas 100 cópias da oração após a graça recebida; poemas, textos e música que narram essa história, bem como as graças e milagres por ela atendidos. Na atualidade nota-se que a devoção toma maiores proporções, pois as ações em prol de Corina não param. Existe um projeto para o Memorial Corina Portugal, desenvolvido pelo arquiteto Roberto Pietrobelli Christensen, com a intenção de criar um espaço de contemplação e devoção, que está em processo de aprovação na Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Além de estudos para restauro do túmulo, que busca uma solução para abrir espaço para as placas de agradecimento serem instaladas pelos fiéis. Paralelamente às manifestações iniciou-se um processo, junto à Igreja Católica, apoiado pelo Bispo Dom Sérgio Arthur Braschi, de designar Corina como ‘serva de Deus’, primeira etapa em um futuro processo de beatificação. Nota-se que a devoção à Corina Portugal é uma manifestação genuinamente popular, representa diferentes grupos socias da cidade, e cresce à medida que o tempo passa, corroborando com a definição de patrimônio imaterial que define: “por bem cultural de natureza imaterial as criações culturais de caráter dinâmico e processual, fundadas na tradição e manifestadas por indivíduos ou grupos de indivíduos como expressão de sua identidade cultural e social;”. Entende-se que esse processo de reconhecimento como bem imaterial de Ponta Grossa é o início de uma história que engrandece nossa cultura, reforça as ações já iniciadas em prol da devoção e abre espaço para ampliação dessas e outras que virão. Por sua manifestação ao longo do tempo, transmitido de forma oral e informal, fixado à tradição local; por representar forte referência cultural pontagrossense, incorporando pessoas de diversidade social é que apresento parecer favorável ao tombamento da “Devoção à Corina Portugal”, como bem patrimonial imaterial de Ponta Grossa e peço que os demais conselheiros votem favorável a esse parecer.

Ponta Grossa, 08 e agosto de 2022.

Jeanine Mafra Migliorini Arquiteta urbanista CAU A38598-0
Representante do Conselheiro de Arquitetura e Urbanismo

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto nº 3.351, de 04 de agosto de 2000. Institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 05 de agosto de 2022.

2˚ da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial. UNESCO. 2023 Disponível em: Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial – UNESCO Digital Library. Acesso em: 05 agosto 2022.

CASTRO, M.L.V. de, FONSECA, M.C.L. . Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília:
UNESCO, Educarte, 2008.

FERNANDES, Josué Corrêa. Corina Portugal: História de Sangue e Luz. Ponta
Grossa: Planeta, 2007.

NAVARRO, Dione. Corina Portugal: súplicas e respostas. Ponta Grossa: Estúdio
Texto, 2016.

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