O Divino em Ponta Grossa
As atividades religiosas em homenagem ao Espírito Santo na cidade de Ponta Grossa tiveram início em 1882. Foi quando Dona Maria Júlia Cesariano Xavier encontrou, em um olho d’água, uma imagem do Divino Espírito Santo (pombo de asas abertas). De acordo com os registros, essa senhora, de sessenta anos, sofria de problemas mentais e perda de memória.
Certa vez, ao sair de sua casa em direção à cidade de Castro, passando pela região onde hoje se encontra Carambeí, Dona Maria não conseguiu descobrir o caminho de volta para Ponta Grossa. Desesperada, parou para beber água em um olho d’água. Ao se debruçar sobre a água, viu uma imagem do Divino Espírito Santo gravada em um pedaço de madeira, imerso na água. Acredita-se que essa imagem tenha sido esquecida ou perdida por algum bandeirante que passou pela região.
Após encontrar a imagem, Dona Maria tocou-a e rezou fervorosamente de joelhos. Em seguida, sentiu-se curada, inclusive recobrando a memória. Ao retornar para Ponta Grossa, a notícia de sua cura se espalhou entre amigos e familiares. A partir desse momento, Dona Maria começou a ser conhecida na cidade como “Nhá Maria do Divino”.
Nhá Maria começou a recolher quadros de santos de diversas denominações e a juntar dinheiro para construir uma capela dedicada ao Divino. Contudo, foi vítima de roubo e, por conta disso, decidiu construir um altar em uma das salas de sua casa. A imagem do Divino, colocada em um ostensório, passou a ficar exposta para o grupo de amigos e familiares que frequentavam o local. A partir daí, Nhá Maria passou a realizar novenas em honra ao Divino Espírito Santo.
Os espaços dedicados a essa devoção eram enfeitados com flores e toalhas vermelhas, com quadros de santos nas paredes e altares onde a imagem ficava exposta aos fiéis. Assim acontece até hoje na “Casa do Divino” em Ponta Grossa.
Lugares Sagrados: a “Casa do Divino” em Ponta Grossa
No catolicismo popular, os lugares sagrados incluem capelinhas, túmulos, certas casas e outros espaços que se tornam “pontos de peregrinação”. Esses espaços são locais de memória de devoções específicas, onde os devotos materializam seus sentimentos e valores religiosos. Muitas vezes, esses lugares se confundem com a própria devoção. Entre os lugares sagrados estão também os oratórios nas residências e pequenas capelas nas comunidades, pois abrigam o santo protetor e padroeiro.
Esses espaços, considerados sagrados, também são pontos de encontro dos devotos, onde se trocam informações, fazem-se amizades, compram-se artigos devocionais, pagam-se promessas e reza-se para os santos de devoção. Tudo isso contribui para a propagação e manutenção tanto da devoção quanto desses locais.
Nesse contexto, insere-se o imóvel da Rua Santos Dumont, nº 524, em Ponta Grossa, conhecido como “Casa do Divino”. Esse espaço se tornou um “ponto de peregrinação” na cidade, devido ao culto em honra ao Divino Espírito Santo.
A casa foi construída entre 1840 e 1862. Antes de se tornar um “lugar sagrado”, abrigou inicialmente uma leiteria e, mais tarde, serviu como hospedagem para viajantes que não tinham onde pernoitar na cidade, devido à sua localização central e proximidade com a “Estação Paraná”.
A “Casa do Divino” recebe de 30 a 50 pessoas por dia. Nesse espaço, os fiéis legitimam sua comunidade e buscam um “contato” com o mundo sagrado. A casa, portanto, funciona como um “elo” entre o devoto e Deus. Além disso, esse local mantém viva a devoção ao Divino Espírito Santo na cidade, fortalecendo as relações sociais dos devotos. Reunidos, eles não apenas louvam o Divino, mas também conversam, compram artigos devocionais e reforçam suas afinidades, fazendo desse espaço um “lugar sagrado”.
A “Casa do Divino” foi tombada pelo COMPAC em 2006. Além de ser um imóvel arquitetonicamente histórico, possui um valioso patrimônio intangível.
Festas do Divino em Ponta Grossa: um fenômeno religioso e social
As festas religiosas têm um caráter aglutinador, ou seja, elas unem os indivíduos em torno de um único objetivo: “louvar o seu Deus”. Um dos caminhos utilizados pelas tradições religiosas para aglutinar os grupos é a realização de festas, pois o sentimento de felicidade que acompanha esses eventos reforça e une as pessoas.
Além disso, as festas possuem a função de fortificar os indivíduos, eliminando o cansaço e revigorando o espírito das pessoas. Durante as festas religiosas, o indivíduo tem a oportunidade de viver em comunhão com o sagrado, refletindo sobre suas experiências no campo terreno e espiritual.
No Brasil, as festividades religiosas são uma das atividades urbanas mais antigas. Esses eventos são momentos importantes para as cidades, atraindo muitas pessoas que enchem as praças e ruas, dando vida ao espaço urbano. As festas também são ocasiões em que as diferenças sociais e raciais são minimizadas, pois “durante as festas e procissões, não há posição social nem cor de pele”.
A festa proporciona ao indivíduo momentos de sociabilidade e aproximação entre diferentes grupos, “quebrando” as diferenças e criando um sentimento de pertencimento ao “todo social”.
No Brasil, as festas populares sempre misturam o religioso e o profano. As atividades religiosas incluem missas, procissões, rezas, bênçãos e novenas, enquanto as atividades profanas se manifestam por meio de diversão, como leilões, danças, comidas e barraquinhas. Esses elementos se fundem, formando a base das festas religiosas no país, que mesclam “devoção com diversão”.
Cada comunidade religiosa possui uma variedade de festas. Esses momentos são alegres, mas também representam uma oportunidade para os fiéis pedirem ou agradecerem por graças alcançadas. As festividades também fazem parte da herança cultural dos imigrantes, como os portugueses, que trouxeram ao Brasil a festa em honra ao Divino Espírito Santo.
A Festa do Divino não tem uma data fixa, sendo comemorada cinquenta dias após a Páscoa, o que a torna cíclica e móvel, ocorrendo em maio ou junho. Para alguns autores, essa festa começa no domingo de Páscoa, com a reza diária do terço nas sete semanas que antecedem o Pentecostes.
Na festa em honra ao Divino, as mulheres, na maioria das vezes, são as responsáveis pela organização do espaço das celebrações. Elas também lideram as rezas e mantêm os espaços de devoção ao Divino Espírito Santo abertos. Esse papel se reflete em Ponta Grossa, onde a devoção ao Divino foi iniciada por uma mulher e continuada por outras quatro.
Outro elemento importante da Festa do Divino é o bodo, que consiste na distribuição de alimentos. Esse aspecto revela o caráter social da festa, tanto no sentido de solidariedade quanto no de sociabilidade, promovendo a interação e ajuda mútua entre os devotos.
Em Ponta Grossa, a prática do bodo não é realizada. No entanto, as “esmolas” são recolhidas quando as bandeiras do Divino visitam as casas dos devotos, sendo usadas para cobrir as despesas da festa. Parte do lucro é doado à Diocese, e o restante mantém a “Casa do Divino” aberta e ajuda a preservar as tradições, como a compra de tecido para a confecção das bandeiras. Vale destacar que a doação de dinheiro não é obrigatória, mas os devotos sentem-se felizes em contribuir, pois essa doação é vista como uma forma de homenagear o Divino.
A participação na festa do Divino desperta a união entre os devotos, fortalecendo os laços sociais e promovendo o espírito de fraternidade. A festa é um momento em que as relações sociais se transformam, as tensões se minimizam e as distâncias sociais são temporariamente extintas. Ela rompe a ordem hierárquica social e mistura realidade e ficção.
Além de ser um momento de devoção, a festa também proporciona diversão. Muitas pessoas participam não apenas para rezar, mas para se descontraírem, pois “a festa é um momento recreativo do ritual religioso”.
Nesse contexto, parte da Rua Santos Dumont, em Ponta Grossa, é tomada por barracas de quermesse e por um palco onde cantores e músicos entretêm os devotos que ali comem, cantam, rezam e socializam. O lazer, portanto, está profundamente ligado a esse espaço.
Referência bibliográfica: ROCHA, Vanderlei de Paula. Fé, Cultura e Tradição: as celebrações em honra ao Divino Espírito Santo na cidade de Ponta Grossa. 1822 – 2011. 1. ed. rev. Ponta Grossa: Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, 2012. 110 p. v. 4.