Lenda de Vila Velha (Dhuí e Aracê Poranga)

LIMA, Lourival Santos. Biografia de Vila Velha. Ponta Grossa : [s.n.], 1975.
“Já vimos que, para o homem ingênuo em geral, todo acidente ou condição natural
comporta uma explicação ou visão etiológica, concebida de acordo com os padrões de
sua própria cultura, levando-se em conta os traços econômicos, sociais, religiosos e, até, políticos. Isso é assim, aqui, como na velha China, hoje, como nos tempos da Mitologia
Grega, etc.
Todos os rios, todas as montanhas, todos os vulcões e todas as maravilhas da natureza, geralmente, são interpretados pelas primeiras tribos aí presentes em consonância com o seu grau de cultura.

No Brasil, de Marajó ao Rio Grande do Sul, a cultura exegética por excelência foi a tupi-
guarani, e, secundariamente, a antiga tapuia, com suas ramificações. Em Marajó, nas

Sete Cidades do Piauí, o Rio São Francisco com Paulo Afonso, as Quedas do Iguaçu, as
Sete Quedas, o Marumbi e, por conseguinte, a nossa Vila Velha.
No Paraguai, país de tanta afinidade com o Brasil, em suas diversas latitudes, e onde
tantos poetas nos falam à alma, com entusiasmo e vivo encanto, Bertoni, Gonzáles e
outros eruditos não se cansam de por em evidência essa questão.
No Brasil, além dos já enumerados, de norte a sul, em ‘Paiquerê’, de mestre Romário
Martins, temos a Lenda do Fogo, Origem dos Campos do Paraná, lenda caigangue,
Marumbi (explicação da Serra), Naipi e Tarobá, ou como surgiu a nossa terra, aí incluído
o Salto União, um dos do Iguaçu, etc.
Em relação à Vila Velha, já discorremos o bastante para esclarecer que, embora
estivesse dentro de propriedade rural particular, sempre esteve na lembrança das
populações circunvizinhas, que lhe davam explicação natural, cultural, ou da mão do
homem, e, finalmente, mágico-religiosa, como oriunda do sobrenatural, isso, sem dúvida

alguma, de proveniência indígena, como as anteriores, ou misto folclórico euro-
ameríndio.

Mas, os que apresentaram tais lendas ou fábulas, deixam, logo, ver (o que é mais
importante) a influência, inegável, erudita, pois baralham os traços e complexos
indígenas com aquisições e obtenções marcadamente tiradas dos livros dos
especialistas, como é o caso do snr. Protásio de Carvalho, com ‘Itacueretaba’, incluído
no livro acima mencionado de Benedito Nicolau dos Santos Filho. (p.162-5) Taças,
tesouros, etc. (como DHUY, representando Luis, conforme o cronista da fase colonial),
tudo isso já é intromissão da cultura do chamado civilizado.
Aliás, o próprio Romário, também, falou em taças e outras coisas, apenas concebíveis
na cultura Marajoara, com sua cerâmica bem evoluída.
Mas, de qualquer modo, o que sempre ouvimos de Vila Velha, foi, de fato, a existência
de formas animais, vegetais e seres inanimados em geral, como canoas, jaboticabeiras,
maracás, arcos e flechas, etc.
As tribos, vivamente impressionadas pelas belezas naturais, deram, efetivamente, ao
local o nome de TAPIR GRANDE DE PEDRA, fato conhecido desde Cabeza de Vaca,
que por aqui passou, há mais de 400 anos, em sua romaria para Assunção.
‘TAPAPIRAÇU’ é o nome que um grande poeta e historiador pontagrossense, snr. Ribas

Silveira, deu ao seu livro, cheio de lembranças e curiosidades históricas e pre-
cabralinas.

Vila Velha é, pois, neste século de turismo e interpenetração sócio-cultural, local de
muita lenda indígena, ou mistura de várias fontes, com vestígios visíveis da cultura
ocidental, naturalmente recheada, por sua vez, de um que outro traço de culturas
afronegras, como toda a nossa cultura.
O Saci Pererê é típico disso, como todos se lembram. Nome e vulto genuinamente
indígena. Cor: influência africana; e barrete: contribuição européia; finalmente, o
cachimbo: indígena e africano. No norte do Brasil, é o Matinta Pereira: uma ave.

Conclusão, no que tange à Vila Velha: as lendas, excetuando as criações do ambiente
civilizado ou de etapas culturais mais avançadas, giram, de fato, em torno de amor, luta,
rivalidade, coisas caseiras, seres animados e inanimados, do estágio do índio, ações e
modificações concebidas, de acordo com a visão animista das coisas, etc.
E para o homem de hoje, que passa veloz pela rodovia asfaltada, sem lembrar do
passado, Vila Velha é a impassibilidade geológica, no seio turbulento dos Campos
Gerais” (p. 52-53)
“ITACUERETABA (segundo Protásio de Carvalho)
Significação: ‘Cidade extinta de Pedra’
Escolhida, pelos primitivos habitantes, para ser a terra dos homens (Abaretama). Aí se
esconderia o ITAINHÁRERU ou o precioso tesouro. Era guardado sob a proteção de
Tupã, por APIABAS escolhidos, varões que se dedicavam inteiramente a isso. Tinham
privilégios e desfrutavam de vida régia. Não podiam, porém, ter contato com mulheres
(CUNHATÃS), não importa a tribo. Porque as mulheres revelariam, logo, o segredo do
tesouro, e os inimigos o tomariam para si. Por outro lado, Tupã lançaria mil castigos
sobre os seus filhos, caso tal acontecesse.
Os APIABAS eram fortes, ativos e bravos, sendo seu trabalho único embelezar a terra e
torná-la um POTIRENDABA ou jardim.
TECOIABA ou pecado era coisa que Deus não permitia ali.
Certa vez, DUHÍ (ou LUIZ) foi escolhido para seu chefe. Fora preparado para tal, desde
tenra idade. Mas, ele não concordava em ser celibatário. E tornara-se
CUNHARAPIXARA ou mulherengo.
As tribos rivais, ao saberem disso, prepararam as mais belas mulheres para
conseguirem o segredo do tesouro. E a escolhida foi ARACÊ PORANGA ou AURORA
BONITA.
Em pouco tempo, DUHÍ estava irremediavelmente perdido, pelos encantos e feitiços da
mulher. Ela já havia entrado no ABARETAMA, com o consentimento de DUHÍ que não
lhe pôde resistir. Mas ARACÊ era mulher e DUHÍ, homem. E eles se amaram…
ARACÊ traiu seus parentes, em nome do seu amor, tal como DUHÍ traíra sua missão,
em nome de ARACÊ.
Numa tarde primaveril, quando as flores caíram das árvores como chuva de ouro,
ARACÊ trouxe licor de butiás para embebedar DUHÍ, mas amndo-o, provou também do
mesmo e ambos ficaram entrelaçados à sombra do ipê…
TUPÃ vingou-se, desencadeando um terremoto, que abalou toda a planície.
A fúria divina destruiu aquela região, trazendo dor e morte. E a ABARETAMA tornou-se
pedra. O tesouro fundiu-se e liquidificou-se. E os amantes foram castigados, ficando um
ao lado do outro, petrificados. Ao seu lado ficou, também uma TAÇA DE PEDRA…
E, quando por ali se passa, ainda se ouve a última frase de ARACÊ: ‘Dormirei sempre
contigo’.
E, assim, ABARETAMA transformou-se em ITACUERETABA.
A IBITIPOCA ou ‘Terra que se fendeu’ são as grotas de Vila Velha, e o tesouro fundido é
a lagoa, que chamamos DOURADA, a qual, quando o sol bate, em cheio, ainda reflete o
brilho aurífero.
Dizem que DUHÍ e ARACÊ são os equivalentes de Adão e Eva, ainda lado a lado,
circundados de IPÊS, que descendem daquele que assistiu a morte dos dois.
Os descendentes daquele povo emigraram para outras terras, onde a maldição não os
alcançasse. E fundaram outro império, na América do Sul.” (p. 56-57)
“LENDA DE VILA VELHA (segundo Lourival Santos Lima)
Antes da história do Brasil, a Terra das Araucárias só era povoada pelos filhos de Tupã.
Correu notícia, então, pela zona de Tabapirussu, de que havia tesouro enterrado em
Itaqueretaba. Os guaranis, que habitavam próximos, passaram a vigiar, dia e noite. Mas
um índio tupi, que vivia entre eles, levou a novidade à tribo. Os guaranis destacaram
uma legião de guerreiros fortes e valentes, sob o comando de Tarobá, para guardar
Itaqueretaba e procurar a riqueza escondida no solo pedregoso. Houve severas ordens
para não permitir ali a entrada de estranhos, principalmente mulher. Pois souberam pela

fala do pagé que os tupis inimigos queriam arrebatar-lhes o tesouro, através de uma
princesa índia. Com efeito, Nabopê, linda filha de um cacique tupi, fora levada em
segredo e deixada nas proximidades de Itaqueretaba. Lá a encontrou Tarobá, certa
noite, perdida nos campos, e a sua beleza impressionante fascinou-lhe para sempre o
coração. Nabopê passou a viver sob a proteção do chefe guarani, por quem também se
apaixonou, esquecida da missão de espionar para sua gente.
Vendo-se traídos, guaranis e tupis uniram-se contra Tarobá, Nabopê e seus fiéis
guerreiros. As flechas escureceram o céu azul, no dia do grande combate. Depois,
ficaram dormindo sono eterno, sobre a campanha verde, os guerreiros de Tarobá.
Salvou-se apenas este e sua amada. Mas ao contemplar os companheiros mortos,
Tarobá e Nabopê, irmanados pelo afeto que sempre os uniu, beberam uma taça de
veneno e assim fugiram das mãos vingadoras.
Essa a estória que ficou lenda, sob a proteção de Tupã. O deus do trovão, em memória
da luta heróica e daquele amor profundo, transformou os dois amantes em dois
penhascos, um maior, Tarobá, e um menor, Nabopê, ao lado da taça erguida entre as
ruínas de pedra, rememorando os guerreiros mortos…
Itaqueretaba, hoje, é Vila Velha, próxima às Furnas, enormes crateras, donde
desapareceu subterraneamente o tesouro lendário, que se diluiu, pelos raios faiscantes
de Tupã, nas águas coloridas e mansas da Lagoa Dourada.” (p. 59)
VASCONCELOS, Fernando. ABARETAMA: a sedução do guerreiro. São Paulo : Ave-Maria,
1997.

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